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Foto do escritorRenato Moog

Yamaha DX7 versus Roland D-50

Atualizado: 21 de abr. de 2021


Era uma manhã de sol de algum sábado do início de 1987, portanto há quase trinta anos, e eu caminhava apressadamente pela tradicional Rua Cel. Cardoso de Siqueira, em Mogi das Cruzes, com destino ao local indicado pelo amigo e tecladista Emilio Melo, que me convidara para conhecer sua nova aquisição: o famoso sintetizador Yamaha DX7 digital programmable algorithm synthesizer. Já tinha lido e ouvido muito sobre este equipamento fabuloso, que, desde seu lançamento em 1983, tinha se tornado a grande sensação, e não tinha tecladista no mundo que não o desejasse.

Não consigo imaginar atualmente lançamentos de sintetizadores sem a estratégia de disponibilização na internet de vídeos, instrutivos ou não, para o público conhecer a novidade. Naqueles tempos, porém, não existia a rede mundial de computadores. Eu colecionava as famosas revistas americanas Keyboard, adquiridas em bancas de jornais no centro de São Paulo ao preço do dólar do dia, e arrastava meu inglês o máximo possível para entender ao menos do que se tratava cada máquina lançada no estrangeiro. Portanto, a amplitude dos meus conhecimentos de instrumentos musicais, principalmente de sintetizadores, dependiam basicamente de leituras de revistas especializadas ou, é claro, de conversas com amigos músicos. Assim é que, conhecer o Yamaha DX7 de perto, e, mais que isso, verificar sua funcionalidade e timbres realmente era um acontecimento mágico. A questão é que adquirir um sintetizador desta qualidade na década de 1980 era muito difícil, não só pelo preço alto, mas também porque a importação era sempre complicada, e não raras as vezes estes equipamentos vinham para solo pátrio acompanhados do próprio músico, ao retornarem do estrangeiro em viagem.

Ao me receber em seu estúdio, Emilio disse: “Renato, prepare-se para o futuro”, e, imediatamente, retirou a capa preta de nylon que cobria o instrumento. Fiquei ali parado uns dez segundos, olhando cada detalhe do equipamento: as sessenta e uma teclas assemelhadas as de um piano quanto ao tamanho e excelente acabamento (de dó-1 a dó-6), menos arredondadas que as usuais; a cor castanha escura do chassi de metal; os desenhos de algoritmos no painel frontal (embora ainda não soubesse exatamente o que significavam), os dois controles deslizantes; os trinta e dois pads verdes do painel frontal do lado direito, além de alguns outros coloridos do lado esquerdo, e, enfim; o pequeno e charmoso visor de cristal líquido.

A pergunta inevitável surgiu, e sem rodeios a fiz ao Emílio: “onde estão os controles dos osciladores, dos filtros, e dos geradores de envoltória?”

O DX7 é um sintetizador totalmente digital, e, além disso, trouxe uma inovação enorme quanto à síntese sonora: criação de sons por frequência modulada, ou, seja, síntese FM. Não sabia os princípios desta forma de criação de sons. Claro que já tinha lido sobre o assunto, mas realmente não sabia como funcionava na prática. Conhecia a síntese sonora subtrativa analógica, sistema adotado pela quase totalidade dos sintetizadores, dentre os quais minimoog D e ARP Odyssey, apenas para ficar nestes mais famosos. Basicamente, a síntese subtrativa analógica tem o seguinte esquema: filtragem (VCF) de harmônicos da frequência fundamental, da forma de onda sonora gerada por oscilador controlado por tensão (VCO), e posterior amplificação (VCA). Nestas etapas podem incidir tanto LFO como também geradores de envoltória (EG), os famosos ADSR.

Era como se alguém me apresentasse um veículo movido à eletricidade, embora apenas conhecesse os movidos à gasolina. Ambos possuem motores de propulsão, mas com sistemas de funcionamento diversos. A finalidade do sintetizador Yamaha DX7 é sintetizar sons, claro, assim como a de um Roland Juno 106, que eu tinha na época, mas a forma de gerar sons é outra, totalmente diferente. Não se trata, pelo sistema do DX7, de criar ondas sonoras com harmônicos naturais (frequências agregadas à principal) para depois filtrá-los (harmônicos), mas sim criar ondas sonoras sem harmônicos, isto é, senoidais, para que umas interajam em outras, criando, assim, novas formas de ondas com harmônicos simulados. Ora, se a idéia é criar ondas sem harmônicos naturais para depois simulá-los (harmônicos) como se desejar, então não há necessidade de filtros!

Esta forma peculiar de criar sons mediante a síntese FM foi desenvolvida pelo músico e cientista norte-americano John Chowning, no final da década de 1960, da Universidade de Stanford, a partir de estudos sobre o efeito de vibrato e das interferências causadas por ondas senoidais, como já adiantei, oriundas de dois osciladores diferentes. Este sistema trouxe uma maneira muito simples e elegante de criar e controlar espectros de variação de tempo. A partir de suas experiências, Chowning criou harmônicos ricos, e, mais que isso, com possibilidade de controle sobre tais, permitindo, assim, simular de forma eficiente principalmente timbres de instrumentos de sopro, como clarinetes, fagotes, e similares, além de conseguir promissores timbres com características metálicas. Tratei com mais profundidade da história da sítnese FM no meu post "A história da síntese sonora da frequência modulada, e o advento do sintetizador YAMAHA DX7".

Retornando à minha indagação sobre os osciladores, filtros e geradores de envoltórias, a fabricante japonesa sabia que este instrumento eletrônico iria causar estranheza na comunidade de músicos, acostumados à síntese subtrativa, e, então, inseriu no manual do instrumento o seguinte texto, como introdução:

  • “O DX7 é um sintetizador com um desenho completamente novo, com um sistema de geração de tons digitais em FM. Este sistema especial da Yamaha permite atingir nuances mais próximas das matizes musicais, com maior potencial para síntese de vozes do que os sintetizadores convencionais.

  • “FM é sigla para frequência modulada. É o mesmo princípio básico empregado nas emissoras de programas de rádios FM. Um sinal que se denomina moduladora (“modulator”) permite alterar um segundo sinal que é denominado portador (“carrier”). ...”

Assim, a Yamaha utilizou o sistema de operadores (“operator”), que são os equivalentes “osciladores” do sistema da síntese subtrativa, cujos sons são resultados das interações das ondas moduladora e portadora, com incidência de amplificação e gerador de envoltória (EG). As combinações diferentes de seis operadores formam os trinta e dois algoritmos desenhados no painel frontal.

Desta forma, alterar a forma de onda no Yamaha DX7 diretamente por meio de controle de oscilador não é possível porque não se parte de ondas triangulares, quadradas ou dentes de serra, mas de ondas senoidais, as quais, em interação, formam harmônicos. O que se faz, no DX7 é criar diferentes espectros sonoros por meio de modulação de ondas senoidas. Não se tem, outrossim, controles de filtros simplesmente porque a idéia não é criar harmônicos para depois filtrá-los. Os harmônicos no DX7 são criados por simulação exatamente do modo desejado, e, assim, não precisam ser filtrados.

Ok, mas, e quanto à sonoridade, o que temos?

A maior dificuldade que eu tinha com o Juno 106, e com outros sintetizadores com síntese subtrativa analógica, era conquistar bons timbres de pianos acústicos ou elétricos (rhodes, wurlitzer, CP-80, etc...), bem como de timbres percussivos e de sopro. E quanto ao DX7? Basta dizer que o seu piano elétrico localizado no preset de fábrica número 11 tornou-se o mais emblemático simulador de todos os tempos. É até hoje muito utilizado, e está presente em grande parte dos sintetizadores com a denominação “piano FM”. Músicas de sucesso na década de 1980, geralmente traziam no arranjo este piano elétrico, tais como: “After All” (Al Jarreau - 1984); ”Hard Habit To Break”(Chicago - 1984); “Love Zone” (Billy Ocean - 1986); “One More Night” (Phil Collins – 1985); “Jerichó” (Simply Red - 1985).

Outro timbre do DX7 que ficou famoso, um verdadeiro clássico, é o preset 15 de fábrica, um contrabaixo sintetizado muito peculiar, que pode ser ouvido em “Huntin High and Low” (A-HA – 1985)”; “Bad” (Michael Jackson – 1987), e; “Live to Tell” Madonna – 1986).

Certamente os executivos dos outros fabricantes receberam esta novidade com muita preocupação, pois estava claro que o Yamaha DX7 tinha atingido novo patamar na história dos sintetizadores, por um preço acessível (menos de 2 mil dólares), e a partir daquele momento qualquer tecladista tinha à sua disposição pianos elétricos incríveis sem precisar levar aos palcos ou mesmo aos estúdios, instrumentos como o piano Rhodes, ou o piano Wurlitzer.

Posso imaginar uma reunião na sede da Roland japonesa, concorrente da Yamaha:

- O DX7 é fantástico! Vamos utilizar também a síntese FM e produzir um equipamento concorrente! – exclamou o Presidente.

-Impossível! a patente está licenciada para a Yamaha. – observou o responsável pela área jurídica.

- Então vamos criar um sintetizador inovador também, que possa concorrer com o DX7! – respondeu o Presidente.

- Sim, Sr. Presidente. – respondeu o Diretor de Pesquisas: o grande diferencial deste equipamento concorrente reside na qualidade surpreendente dos timbres. De forma geral, não logramos alcançar com nossos sintetizadores sons de pianos elétricos tão brilhantes e profundos, tampouco timbres percussivos realísticos de sinos, ou ainda timbres acústicos como, por exemplo, de flautas. Então, se não podemos utilizar a mesma forma de síntese sonora, a FM, podemos pensar em uma alternativa, e a que estamos já trabalhando chama-se LA synthesis.

- Do que se trata? – indagou o Presidente.

- Se o nosso problema é conseguir timbres inovadores, a exemplo do DX7, então a questão poderia ser bem simples, porque bastaria gravar amostras reais de sons - de pianos acústicos ou elétricos, violões, flautas - e armazená-los digitalmente, daí teríamos sonoridades perfeitas. Isto inclusive já é possível nos dias de hoje. Não seria o caso de reeditar o mellotron, que utilizava sistema de fitas magnéticas de sons reais para cada tecla, mas de criar propriamente um sistema de gravação digital. Ocorre, no entanto, Sr. Presidente, que o custo deste equipamento seria muito elevado porque os componentes digitais são muito caros, e exigiria altos investimentos em cada unidade, impossibilitando que nosso projeto pudesse competir com o nosso rival DX7, que custa menos de dois mil dólares. Assim, pensamos em uma solução intermédiária. A partir de estudos já consolidados, é fato já aceito pela comunidade científica que a essência de qualquer timbre está principalmente no início do som, no ataque de cada sonoridade, possibilitando identificar se um som é de piano, de violão, de clarinete, etc... Como não é viável construir um equipamento digital com gravações integrais (por uma questão de custo), a solução é gravarmos apenas e tão somente os inícios, os ataques dos sons reais, que de fato é o trecho do som que temos mais dificuldades de recriar com qualidade, e, depois, completamos cada ataque pré-gravado com o clássico sistema da síntese subtrativa, reduzindo, assim o custo de construção do equipamento. – Respondeu o executivo da área de pesquisas.

- Em outras palavras, vamos criar um sintetizador misto, que utiliza gravações reais de pequenos trechos iniciais de instrumento acústicos, e, a partir daí, completá-lo com o sistema que já utilizamos e dominamos bem a técnica, da síntese analógica subtrativa? – perguntou o Presidente.

- Correto! – respondeu o executivo de pesquisas.

- Simplesmente genial! Exclamou o Presidente. Continuou: e este sistema tem alguma vantagem em relação ao concorrente? E a viabilidade deste projeto no campo financeiro? Podemos fazer frente ao sintetizador da Yamaha? - Perguntou.

- Certamente. – Respondeu o executivo da área de pesquisa, continuando: - o primeiro ponto é que podemos equiparar a sonoridade grandiosa do DX7 com nosso sistema híbrido de amostras digitais, isto é, como apelidamos, de “PCM sound generator”, com geração de som pela síntese analógica subtrativa, que denominamos “synthesizer sound generator”, com possibilidades de modulação, que chamamos de “ring modulator”. Além disso, Sr. Presidente, podemos atacar o ponto fraco do equipamento concorrente, que é a forma de programação. Veja, Sr. Presidente, que os usuários do DX7 encontram grande dificuldade de criar novos timbres, de programá-lo, enfim, porque todos estão acostumados com a síntese sonora subtrativa, e estudos demonstram que mais de 90% dos usuários do DX7 utilizam apenas os timbres ou presets de fábrica. Neste ponto temos grande vantagem, porque os consumidores encontrarão no nosso equipamento familiaridade para programá-lo, pois utilizaremos a clássica síntese subtrativa na parte programável! E quanto ao custo, tudo ok, porque não utilizaremos integralmente componentes eletrônicos digitais.

- Ok, vamos trabalhar neste novo projeto, já tem um nome? perguntou o Presidente.

- Sim. Respondeu o Executivo da área de Marketing: D-50 Linear Synthesizer.

A Roland trouxe ao mercado uma opção importante ao consumidor, o D-50, lançado em 1987, quatro anos depois do nascimento do Yamaha DX7, contrapondo-se ao sistema da síntese FM com a linear arithmetic síntese, ou LA Synthesis.

O D-50 é equipado com sessenta e uma tecladas, de dó-1 a dó-6, exatamente como no DX7, também com um visor de cristal líquido e controles de pressão, além dos desenhos das sete estruturas compostas de “synthesizer sound generator”, “PCM sound generator” e “Ring modulator”, lembrando muito o painel frontal do DX7.

O D-50 produz, portanto, um som híbrido "analógico e digital", assim, utiliza amostras PCM (samples) de sons (apenas o ataque, o início do som) gravadas de instrumentos reais combinadas com formas de onda analógicas densas tradicionais, como a dente de serra e a quadrada, que são filtradas pelo processamento completo do estilo analógico (LFOs, TVFs, TVAs, modulador de anel, efeitos, etc.). Esta descoberta levou à criação de sons inéditos. Claro que já existiam equipamentos PCM total, isto é, instrumentos que utilizavam amostras integrais de sons reais gravadas digitalmente, como o Emulator, o Fairlight e o Synclavier, por exemplo, mas a questão é que não eram concorrentes do Yamaha DX7 justamente por causa dos preços, muito elevados.

Cada timbre do D-50 ("patch") é composto de dois "tons" (superior e inferior) e cada tom é composto de duas "parciais". Cada parcial pode ser uma forma de onda tradicional subtrativa (pulso ou forma de onda dente de serra) ou uma forma de onda digital PCM. As parciais poderiam ser organizadas de sete modos possíveis, denominados de “estruturas”, que nada mais são que os equivalentes algoritmos do DX7. Além disso, o D-50 trouxe uma grande novidade: foi o primeiro sintetizador comercial a incluir efeitos digitais, como chorus e reverb, acrescentando ao som características brilhantes, ricas, vivas, e, por vezes, realistas.

Os presets da D-50, foram bem recebidas pela comunidade dos artistas, e a maioria deles pode ser ouvido em vários álbuns comerciais do final de 1980, principalmente os patches "Digital Native Dance", "Fantasia", "Glass Voices" e "Living Calliope".

Finalmente, após quatro anos de soberania do Yamaha DX-7, surgiu um concorrente à altura, o Roland D-50, ambos lançados no mercado com preços de aquisição equivalentes, com características sonoras diferentes, mas similares em muitos aspectos, principalmente quanto ao grau de inovação. Ambos se tornaram grandes sucessos comerciais, e ambos são até hoje muito valorizados no mercado, principalmente com o revival de sons vintages que permeia o campo musical. Não coexistiram por muito tempo, porque a Yamaha encerrou a produção do DX7 em 1988, mas se tornaram ainda assim grandes concorrentes.

Tenho amigos que se filiam a ambos os lados, alguns preferindo o DX7, outros o D-50. Eu gosto dos dois, e embora não possua nenhum atualmente, estou sempre atento ao mercado para trazê-los ao meu setup.

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