Percorrendo o Vale do Paraíba em direção à São Paulo, pelas janelas da van era possível ver o Shopping Center Vale, em São José dos Campos, às margens da Rodovia Presidente Dutra. Naquele momento eu e Marcos Vinicius Trojan conversávamos sobre música e fotografia. Os temas não poderiam ser outros, sobretudo porque há poucas horas eu estava no palco do Sesc Taubaté com a Pink Floyd Dream, e ele como fotógrafo oficial. A conversa estava tão animada, que cogitei uma entrevista que foi prontamente aceita.
O claro e o escuro, o silêncio e o som, o sim e o não, a terra e o céu, enfim, muitas são as antíteses que formam nossas vidas, e o que não é fotografar senão congelar movimentos etéreos em imagens estáticas? A questão é que cada etapa do processo fotográfico possui inúmeras variáveis, cujo caminho e escolhas são sempre pessoais, a depender de quem fotografa. Até o momento decisivo da captura de uma cena muitas opções foram consideradas, desde ângulos, posicionamentos, incidências de luzes, movimentos de pessoas, espontaneidades, enfim, uma infinidade de fatores que influenciam no resultado final. Quantas vezes não deparamos com uma fotografia e verificamos que a cena real não era dotada do mesmo encantamento? O contrário também pode ocorrer. Nesse passo, não é difícil concluir que viajar com um profissional de imagens é muito importante para qualquer banda, porque a documentação do show e os momentos do entorno são fundamentais. O modo como Trojan trabalha, sempre calmo e solícito, atento a todas as movimentações no palco - muitas vezes dando a impressão de possuir o dom da ubiquidade -, e os resultados notáveis de sua atuação, leva-me a crer que suas lentes são mágicas. Todavia, sinceramente, sei que o foco é outro, não se trata apenas de equipamento, mas sim de quem o manuseia, e então a magia pode acontecer.
Apenas para ilustrar, cito alguns dos mais importantes registros do fotógrafo: Mutantes, Casa das Máquinas, O Terço, Sandro Haick, Angra, Hermeto Pascoal, Som Nosso de Cada Dia, Violeta de Outono, Eumir Deodato, Apocalypse, Apokalipsis, Genesis Archives, Lee Recorda, Recordando o Vale das Maçãs, Quaterna Réquiem, Kiko Loureiro Trio, Rick Wakeman, Joe Satriani, Neal Morse Band, Magma, Rick Wakeman Project, Pink Floyd Dream, Jesse Robinson, Carl Palmer, Phil Collins, Steve Hackett, Premiata Forneria Mmarconi e Geoff Tat.
A seguir, o artista nos revela, dentre tudo o mais, o início de carreira, anseios, ídolos, conexões, equipamentos e paixões musicais.
Como você começou a fotografar, houve incentivo de alguém em especial?
Eu venho de uma família de artistas. Meu avô Germano Streithorst era violinista e concertista, minha mãe Mirza Streithorst cantora lírica, minha tia Mariza Streithorst pintora, além de, é claro, meu primo e fotógrafo Rafael Streithorst, grande incentivador. Eu comecei a fotografar por influência de Rafael, que conhece muito sobre tudo relacionado ao universo das fotografias, e é um profundo estudioso de lentes e máquinas, principalmente as câmeras alemãs Leica. Quase todos os dias Rafael me enviava materiais e explicações sobre funcionamentos de câmeras, preços e tudo o mais, inclusive sobre filmes, e de alguma forma tudo isso ficou no meu inconsciente.
Seu primeiro equipamento?
Tenho uma grande paixão pelo Rock Progressivo. No ano de 2007, fui à Europa com amigos especialmente para assistir Genesis, minha banda predileta, e no show em Lyon, na França, conseguimos ficar na grade, e como levamos naquele dia câmeras portáteis, conseguimos fazer alguns registros bem legais. De alguma forma a música teve grande influência para o meu início de carreira na fotografia. Em algum momento houve essa ligação, esta conexão, principalmente por tudo o que eu sentia quando presente em um show, muita coisa de dentro da alma, inspirações, pensamentos, captação dos sentimentos dos músicos. Assim veio a natural inclinação pela fotografia.
A amiga Wanda Lima me indicou a câmera Sony A3000, e a comprei. No dia seguinte eu tinha uma viagem programada para o Rio Grande do sul, especificamente Porto Alegre, com destino ao show de gravação do DVD da banda brasileira de rock progressivo Apocalypse, cujos músicos são meus amigos, e embora eu tivesse levado comigo a máquina, o fato é que nem me atrevi a abrir a caixa, que ainda estava embalada. Algum tempo depois Rafael me ajudou a desvendar os segredos da Sony, isto é, os primeiros passos necessários para realmente começar a fotografar, e, voilà, meu trabalho inicial foi cobrir os shows de Rick Wakeman no Brasil, inclusive um deles com orquestra e coral.
E atualmente?
Lembro-me ainda de que estava pagando a minha primeira câmera quando a roubaram, e junto se foram os arquivos originais do show do Steve Hackett. Com muito sacrifício consegui comprar outra Sony, desta vez o modelo A3500, e a usei por bastante tempo fotografando muitos shows. Atualmente uso uma Sony A6000, e duas lentes. Eventualmente utilizo lentes antigas com adaptador, e, assim, consigo texturas diferentes.
Os vintages?
Quero incluir ainda em meu setup uma Leica M3, a melhor câmera mecânica já produzida. Tenho uma Zeiss Ikon 1947, que era de meu avô Seguismundo Trojan, e todas as fotos da época de família foram tiradas com ela. O interessante é que ele fotografava e revelava em casa, tudo era feito de forma artesanal. Recentemente a coloquei para funcionar, usei filmes 120 que ainda são possíveis de encontrar no mercado, e revelei tudo nos laboratórios da AGF. Também tenho uma Mini-Rollei, e uma Minolta, e algumas lentes Minolta e Nikon.
Analógicos ou digitais?
Eu comecei com máquinas digitais, mas estou estudando tudo sobre analógicas. Fotografia é arte. O universo digital tornou tudo muito rápido e mais simples. Os equipamentos analógicos exigem que o usuário saiba muitos detalhes ligados à fotografia para obter bons resultados, para conseguir tirar uma boa foto, e isso vai desde a escolha certa dos filmes, assim como o uso correto da velocidade de disparo e a adequada abertura de diafragma, assim como todo processo de revelação, que é uma arte autônoma. Gosto muito do preto e branco, luz e sombra.
No campo especialmente da fotografia relacionada à música, Annie Leibovitz fez trabalhos notórios, e sempre achei fascinante o fato de ter sido a última a fotografar John Lennon, no caso, para a revista Rolling Stone. Conta-se que Lennon insistiu para Yoko Ono também participar da fotografia, e, então, Leibovitz sugeriu que os dois posassem nus, mas como Yoko estava relutante em tirar as roupas, Lennon resolveu se enrolar nela totalmente despido. Trata-se de uma foto icônica. Infelizmente no mesmo dia Lennon foi assassinado. Algum ídolo em especial o inspira?
Meus ídolos são Rafael Streithorst e a música progressiva. Evidentemente que conheci fotógrafos famosos depois, e, além disso, sem dúvida, inspirei-me muito na revista National Geographic, referência mundial em termos de fotografia. Especificamente sobre Annie Leibovitz, é uma grande fotógrafa, e conhecida por compor o cenário, o ambiente, e os ensaios com muitos estudos e preparações, características, no entanto, diversas das minhas, pois eu prefiro fotografar os artistas ao natural, livres, com a intenção de captar os momentos espontaneamente, nas horas certas.
Existe algum fundo de verdade sobre a frase de que fotógrafos são tímidos por natureza?
Não sei (risos), eu sou tímido, mas acho que talvez os que conseguem ver com a alma assim o sejam. Parafraseando o fotógrafo húngaro André Kertész, posso assegurar que ver não é suficiente, tem que sentir. Para mim funciona assim: tudo deve ter vida, pessoas, instrumentos, objetos, até um simples prato de bateria pode ter mais vida do que o próprio artista.
Frank Capra disse que “se suas fotos não são boas o suficiente, então você não está perto o suficiente”, o que ele quis dizer com isso?
Significa audácia e coragem, ele cobriu guerras e esteve muito perto de tudo o que aconteceu.
O quanto ser o fotógrafo que fez a captura de determinada imagem colabora no momento do tratamento?
Eu vejo hoje muitas fotos artificiais, porque mesmo fotografando errado é possível corrigir muito em softwares dedicados, e o mais famoso é o photoshop. Uma pena, pois entendo que o principal é se preocupar com o momento da captura, e, após, se for o caso, utilizar o tratamento apenas para pequenas correções. Eu não sou a favor da utilização de computador para modificação de fotos, procuro ser o mais natural possível, e é assim que faço minhas fotos.
Aventuras?
Fotografei o show do Phil Collins ano passado no Allianz Parque, aqui em São Paulo. Fui o primeiro a chegar no estádio, às 5:30hs da manhã, e entrei com minha câmera (lente com zoom), e me posicionei na grade, o mais perto possível dos músicos, e assim registrei o show inteiro. Foi simplesmente maravilhoso! as fotos foram parar em páginas de fãs clubes na Alemanha, e foram inclusive enviadas à produção do artista.
Por tudo o que já foi dito, parece óbvio que sua área de maior interesse na fotografia é a música?
Sim, embora também alimente grande interesse pelas cenas da natureza. A música, em retrato, envolve artistas, ensaios, passagens de som e shows. Existe uma conexão muito forte entre a música e a fotografia, tanto como registro histórico, assim também como canal catalizador da emoção do artista, cujo objetivo é o registro da alma. Estou tentando retratar a história do rock, preocupando-me em registrar tudo, desde passagens de som, bastidores e palcos, uma cultura que se perdeu e que estou tentando resgatar para anos futuros.
Como gosto de Rock Progressivo, são varias as bandas e artistas que já fotografei deste gênero, inclusive como fotógrafo oficial de bandas como Focus e Premiata Forneria Marconi, e também de artistas como Carl Palmer e Steve Hackett.
Recentemente, há apenas dois dias, trabalhei como fotógrafo oficial no show de gravação do DVD da banda Angra. Ainda pretendo fotografar as bandas Yes e Camel, principalmente.
Atualmente sou fotógrafo exclusivo da Vega Concerts, com trabalhos para a Top Cat.
Sou também fotógrafo oficial da Banda Apokalypsis, e tenho feitos trabalhos oficiais para as bandas Rick Wakeman Project e Pink Floyd Dream, dentre outras.
Este show do Focus foi realmente maravilhoso!
Meu trabalho profissional mais importante foi sem dúvida este. Cuida-se de registro exclusivo do show realizado no Gillan's Inn English Rock Bar em 2017, aqui em São Paulo. Cobri praticamente tudo, desde a montagem dos equipamentos, passagem de som, culminando no show.
Foi espetacular e lindo! E ainda teve a cereja do bolo, pois tive acesso a todos eles, músicos maravilhosos e pessoas incríveis.
Posso dizer que existem fatores mais importantes que outros a se considerarem quando se fotografa bandas em palcos?
Procuro sempre prestar atenção em cada semblante dos artistas. Sempre me preocupo em deixar os sentimentos tomarem conta da minha alma. Ademais, nunca esqueço das sombras. O restante se resume a uma máquina com ajustes.
Qual o perfil necessário para ser um fotógrafo?
Não há se falar em perfil ideal para fotografia. Trata-se apenas de sentimento e de sensibilidade.
Quais os papéis do acaso e do planejamento?
O acaso surge quando se decide passar da inércia para a atividade. Muitas fotos são frutos do inesperado, da conjugação de fatores aleatórios e instantâneos que culminam em cenários ideais. Por outro lado, começar algo e deixar com que as pessoas se sensibilizem com suas fotos é o caminho correto, porque daí as portas se abrirão, e, é claro que neste estágio o planejamento assume papel importante, envolvendo tudo o que esteja ao alcance, inclusive hoje em dia com as redes sociais, e, é claro, as velhas e boas amizades.
Alguma exposição em vista?
Planejo uma exposição em breve. Um sonho prestes a se realizar.
Que conselho daria pra quem pensa entrar na carreira?
Persistência é a palavra chave. Saliento também que não se deve se preocupar em demasia em adquirir câmeras maiores e muito caras: pode-se conseguir excelentes fotos com câmeras mais simples, pois o fator humano ainda é preponderante.
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